Nos últimos anos, a geração de energia elétrica por meio de painéis solares, pequenas turbinas e outras fontes renováveis tem atraído consumidores residenciais, empresas e cooperativas no Brasil. Esse modelo, conhecido como geração distribuída (GD), permite que o próprio consumidor produza a eletricidade que consome, tornando‑se menos dependente da rede e gerando créditos quando há excedente de energia. Para dar segurança jurídica ao mercado, a Lei nº 14.300/2022 instituiu o marco legal da micro e minigeração distribuída e o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE)
Essa legislação substitui a antiga Resolução Normativa ANEEL 482/2012, que inaugurou a possibilidade de abatimento de créditos de energia, e introduz novas regras sobre tarifas, limites de potência e transferência de créditos.
Breve histórico regulatório
A micro e minigeração distribuída foi regulamentada, inicialmente, pela Resolução Normativa ANEEL 482/2012. Essa norma permitiu que consumidores conectassem sistemas renováveis à rede de distribuição e compensassem o excedente de energia na conta de luz. Em 2019, uma proposta de revisão da REN 482 introduziu a ideia de reduzir a paridade tarifária, provocando forte reação do setor solar. Para garantir estabilidade e evitar mudanças abruptas, o Congresso Nacional elaborou o Projeto de Lei 5.829/2019, que culminou na Lei 14.300, sancionada em janeiro de 2022. A lei é superior à resolução normativa e, por isso, traz maior segurança jurídica a investidores e consumidores.
Definições de micro e minigeração
O marco legal distingue dois grupos principais de empreendimentos:
Microgeração distribuída: unidades com potência instalada de até 75 kW que utilizem fontes renováveis (solar fotovoltaica, eólica, biomassa etc.) ou cogeração qualificada
Exemplos incluem pequenos sistemas fotovoltaicos em residências, comércios ou propriedades rurais.
Minigeração distribuída: sistemas com potência acima de 75 kW e até 5 MW. Para fontes não despacháveis, como a energia solar fotovoltaica, esse limite passa para 3 MW a partir de 6 de janeiro de 2023
Essa mudança visa ajustar o volume de energia que pode ser injetado sem provocar desequilíbrios na rede de distribuição.
A lei também define outros termos importantes, como autoconsumo local (energia gerada e consumida no mesmo local), autoconsumo remoto (geração em uma localidade diferente da unidade consumidora, mas na mesma área de concessão), consórcio de consumidores, consumidor‑gerador e crédito de energia
Esses conceitos amparam diferentes modelos de negócios, desde sistemas individuais até cooperativas e condomínios solares.
Principais mudanças da Lei 14.300
- Revisão do sistema de compensação
A maior mudança trazida pela Lei 14.300 diz respeito ao modelo de compensação de créditos. Antes, todo quilowatt-hora injetado na rede era compensado de forma integral na conta de luz (paridade 1:1). Agora, a lei determina que a metodologia tarifária considere os custos e benefícios da geração distribuída em cinco componentes – transmissão, distribuição, geração, perdas e sinal locacional
Em outras palavras, o uso da infraestrutura elétrica pelos sistemas de GD será remunerado gradualmente. O Governo Federal e a ANEEL têm até 2029 para implementar plenamente essa nova forma de cálculo.
- Regras de transição e direito adquirido
Para quem já possui sistemas em operação, a lei criou um regime de transição. Unidades que solicitaram acesso à distribuidora até doze meses após a publicação da lei mantêm a paridade tarifária até 31 de dezembro de 2045
Quem conectou seus sistemas entre janeiro e julho de 2023 terá a transição até 2030, e aqueles que entrarem após julho de 2023 seguirão as novas regras integralmente a partir de 2029
O objetivo é dar previsibilidade, evitando mudanças bruscas nos projetos já instalados.
Entretanto, esse direito adquirido pode ser perdido em algumas situações, como encerramento contratual da unidade consumidora, aumento de potência sem comunicação à concessionária, irregularidades na medição ou ligações clandestinas.
Em caso de venda do imóvel, o novo proprietário precisa apenas transferir a titularidade da conta de energia para manter os benefícios.
- Valorização de créditos e fator de simultaneidade
A lei introduz a possibilidade de realocar créditos excedentes para outras unidades consumidoras do mesmo titular na área de concessão – algo que a REN 482 não permitia
Assim, uma empresa com várias filiais pode definir quanto de crédito será abatido em cada local. Além disso, institui‑se o fator de simultaneidade, pelo qual a parte da energia gerada e consumida ao mesmo tempo não é tarifada. Somente a energia injetada na rede sofre descontos para remunerar os serviços de distribuição.
Por isso, dimensionar o sistema conforme o perfil de consumo e concentrar o uso de equipamentos durante o período de maior insolação (como bombas de piscina ou aquecedores) maximizam o autoconsumo e reduzem custos.
- Unificação de titularidade e geração compartilhada
Outra inovação é a unificação de titularidade. Consórcios, cooperativas, condomínios edilícios ou voluntários podem transferir a titularidade das contas de energia para o consumidor‑gerador
Essa medida permite que projetos de geração compartilhada sejam enquadrados como autoconsumo remoto, evitando a cobrança de ICMS sobre a energia transferida entre participantes e facilitando a gestão de créditos. A lei também autoriza que a distribuidora transfira o crédito de energia excedente para unidades consumidoras indicadas pelo titular, em até 30 dias.
Obrigações das distribuidoras e acesso à rede
A Lei 14.300 prevê que as distribuidoras de energia devem atender às solicitações de acesso e aumento de capacidade apresentadas por micro ou minigeração distribuída, incluindo sistemas com armazenamento de energia
Isso significa que as concessionárias precisam disponibilizar informações sobre a viabilidade de conexão, prazos, requisitos técnicos e contratos de compensação. O atendimento deve seguir critérios claros e transparentes, evitando discriminação e garantindo que novos projetos sejam integrados de forma segura à rede.
Impactos econômicos e oportunidades
Mesmo com a cobrança gradual pelo uso da rede, a geração distribuída mantém‑se atrativa por diversos motivos. O custo de equipamentos fotovoltaicos caiu nos últimos anos, enquanto as tarifas de energia têm tendência de alta devido a fatores como crises hídricas e acionamento de usinas térmicas.
Além disso, a possibilidade de compensar créditos até 2045 para quem tem direito adquirido garante previsibilidade de receita. Investir em GD reduz a dependência de reajustes tarifários, valoriza o imóvel e contribui para a sustentabilidade. Linhas de financiamento público e privado, isenção de ICMS em alguns Estados e incentivos federais facilitam a instalação.
Dúvidas comuns e boas práticas
A energia solar foi taxada?
O termo “taxação do sol” ficou popular, mas o que a lei faz é estabelecer tarifas para remunerar o uso da infraestrutura da rede. A energia gerada e consumida simultaneamente continua isenta
Ainda vale a pena investir?
Sim, pois o custo dos sistemas caiu e a previsibilidade da lei assegura retorno econômico. Além disso, o autoconsumo simultâneo reduz o impacto das tarifas.
Posso ampliar minha usina?
Ao ampliar a potência, apenas a parcela adicional se submete às novas regras; a parte original continua com direito adquirido
Como maximizar benefícios?
Dimensione o sistema conforme o perfil de consumo, programe equipamentos para funcionarem durante o dia, e avalie a possibilidade de unificar titularidade ou participar de consórcios.
Conclusão
A regulamentação da geração distribuída com a Lei 14.300 representa um marco para o setor elétrico brasileiro. Ao estabelecer definições claras de micro e minigeração, criar regras de transição, revisar o sistema de compensação e permitir a transferência de créditos entre unidades, a lei oferece segurança jurídica e estimula novos investimentos.
O modelo promove maior participação de fontes renováveis, descentraliza a produção de energia e reduz a pressão sobre a infraestrutura de transmissão. Para consumidores e empresas, entender as novas regras é fundamental para planejar projetos, aproveitar os incentivos e contribuir para uma matriz energética mais sustentável.
